De leite do bebé

Mariana Torres  |  21/12/2021
O aleitamento materno é promovido pela OMS/UNICEF em exclusivo até aos 6 meses de idade e complementado com outros alimentos até, pelo menos, aos 2 anos. Assim, é possível que surja uma gravidez enquanto outra criança é amamentada. Contudo, na generalidade dos países ocidentais, esta é uma realidade invisível para a população geral.  Muitas mulheres desmamam os seus filhos quando descobrem que estão grávidas devido a crenças pessoais, pressão social ou recomendações de profissionais de saúde. Relativamente às que mantêm a amamentação durante a gravidez, muitas mantêm essa prática para si mesmas ou revelem apenas a pessoas cuidadosamente seleccionadas,  devido ao estigma social. Algumas chegam mesmo a omitir dos profissionais de saúde que as acompanham por sentirem que não vão ter apoio nesta sua escolha, o que mostra o papel importante que os médicos ginecologistas/obstetras têm no sucesso do aleitamento materno. Mas será que existe evidência científica de boa qualidade para recomendar o desmame de mulheres que engravidam enquanto amamentam? Quais os receios? A amamentação durante a gravidez pode ser vista como um desafio por serem dois processos fisiológicos que requerem uma elevada quantidade de energia e pelo receio da estimulação mamária levar a contrações uterinas que prejudiquem a evolução da gravidez. Algumas das preocupações mais frequentes quando a amamentação é simultânea a uma gravidez é o medo do parto prematuro, aborto espontâneo ou depleção rápida de nutrientes maternos, que poderia aumentar o risco nutricional para mães, criança amamentada e feto/recém-nascido.  Não existem muitos estudos de qualidade sobre o tema e existem alguns resultados contraditórios. Mas a evidência científica aponta no sentido da gravidez não ser uma contraindicação para o aleitamento materno. Por exemplo, relativamente ao risco de aborto espontâneo, apenas 2 estudos referem diferenças significativas. Um associa a amamentação exclusiva a um maior risco de perda gestacional e no outro, surpreendentemente, houve uma maior frequência de aborto espontâneo no grupo cujas mães não estavam a amamentar. A probabilidade de parto prematuro também parece ser equivalente nas mulheres que amamentam durante a gravidez e nas que não amamentam. A amamentação durante a gravidez sem dúvida que acelera o gasto de nutrientes pela mulher. Contudo, com um aumento da ingestão calórica e suplementação adequados, estes défices podem ser corrigidos permitindo quer um ganho ponderal adequado à grávida e feto, quer nutrientes suficientes no leite para a criança amamentada.  Sobre a preocupação com as características do leite quando o bebé nascer, sabemos que o leite maduro tem tendência a passar a colostro no final da gravidez e que se adapta quer ao recém-nascido quer à criança mais velha.   Quais os desafios? O desmame guiado pela mãe acontece principalmente nos primeiros dois trimestres de gravidez e os motivos mais frequentemente referidos são o diagnóstico de gravidez e medo de aborto espontâneo, dor no mamilo e recomendação médica para desmamar. Durante a gravidez, a quantidade de leite diminui (ou pode até cessar) e a composição/sabor do leite altera-se. Ocasionalmente acontece um desmame guiado pelo bebé, por surgir desinteresse na amamentação nestas novas condições. Preocupa-nos o desmame abrupto durante a gravidez. Além da ansiedade que pode provocar na mãe e criança e poder prejudicar o crescimento da criança que está a ser amamentada, existe um risco significativo de mastite e abcesso mamário.    Não existindo evidência que a amamentação seja prejudicial à gravidez, as grávidas devem ser apoiadas qualquer que seja a sua escolha. Deixem as mamas em paz.   Mariana Torres Foto: casadefallon.com e Kim Max Photo
Graça Gonçalves  |  14/05/2020
Como todos devem imaginar, falo com muitos pais diariamente. Assim, tenho o retorno de muito do que se passou durante este período de confinamento nas diferentes famílias que tenho o privilégio de acompanhar. Talvez não sejam representativas da nossa população, mas verifiquei muitos pontos em comum, que julgo não serem coincidências.  Nunca as crianças “pensaram” passar uns meses tão felizes – pai e mãe (ainda que alguns a trabalhar remotamente) a acompanhá-los em permanência, em regime de 24/7. O sonho tornado realidade! Aquilo para que eles estão programados, o que está “escrito nos seus genes” feito em cada dia, todos os dias… Por isso estiveram felizes, muito felizes, a usar e abusar da paciência dos pais, que se viram obrigados a inventar brincadeiras e entreténs, quantas vezes para mais do que um filho, com idades diferentes e por isso interesses e necessidades diferentes. Mas curiosamente não ouvi queixas. Confissões de algum cansaço, sim, mas muita vontade de continuar com eles em casa. Tanto mais que otites, bronquiolites, ranhos perenes, tosses infindáveis desapareceram como por magia. Muito interessante também foi a constatação que as mães e os pais fizeram dos saltos de desenvolvimento destas crianças confinadas. Quantas vezes oiço dizer: vamos enviar para o infantário por causa do desenvolvimento. Mas agora confessam, com justificado orgulho, que enquanto estiveram em casa a “fala está muito mais desenvolvida”, as “gracinhas são tantas e tão divertidas”, “anda e corre pela casa com grande desenvoltura”, “ajuda nas atividades caseiras com prazer”. Dos “amigos” da escola quase não falam e a maior parte recusa aderir às atividades que as educadoras sugerem pelo teams/zoom/etc, ou sequer interagir por essa via. Mas agora as creches vão abrir e a preocupação é grande. Tantos são os telefonemas: como fazemos? Será seguro voltar? Ainda ontem a esse propósito o presidente da OMS, Tedros Gebrayesus dizia que a abertura das escolas (em sentido genérico presumivelmente) deve ser pensada cuidadosamente, até porque não se sabe tudo acerca da contagiosidade e manifestações da doença nas crianças. Também em relação às medidas que vão ser implementadas pelos infantários e de que saíram hoje as orientações da DGS pergunto-me como será possível serem colocadas em prática na maior parte dos infantários? E mais grave, ao serem implementadas que consequências terão para a saúde mental destas crianças: faces mascaradas, afastamentos impostos. São crianças dos 4 meses aos 3 anos, para quem o contato, o afeto, o toque são fundamentais. Ainda ontem uma das crianças que eu sigo e que acabou de fazer os 3 anos confidenciou à mãe: “Gosto muito da Dr.ª Graça, mas ontem ela estava muito feia, com aquela máscara!”. E não há criança de colo cuja mãe tenha a máscara posta, que a criança não tente denodadamente removê-la.   Quem fala comigo já há muito que sabe o modo como eu defendo que as crianças não devem ir para o infantário até aos 3 anos (pelo menos). É com a família que eles devem permanecer. Teríamos agora uma oportunidade de ouro para repensar o modo como a sociedade vê e acolhe a criança, no entanto, a opção foi por serem os primeiros “sacrificados”. É triste e preocupante, é ainda e sempre a economia a prevalecer, é o não saber pensar no futuro da nossa sociedade.
Graça Gonçalves  |  17/03/2020
Como é de todos sabido a nova realidade epidemiológica relacionada com a doença COVID-19 está a colocar novos e grandes desafios. Apesar do pouco que se sabe acerca deste vírus, em amostras de leite materno analisadas não foram isolados vírus. Para além das sobejamente conhecidas vantagens da amamentação, é também sabido que os anticorpos específicos dos vírus que infetam a mãe passam através do leite materno, começando a assegurar defesas às crianças amamentadas, mesmo antes das manifestações da doença aparecerem. Assim sendo é fortemente recomendado que as mães continuem a amamentar mesmo em caso de infeção por este vírus. A principal fonte de contágio são as secreções nasais e bucais, pelo que deve ser assegurada uma boa lavagem ou desinfeção das mãos e colocação de máscara ou lenço que proteja nariz e boca, impedindo a emissão de gotículas infetadas para a criança. Se a mãe tiver que ser afastada da criança por apresentar um estado de saúde mais agravado, deve ser auxiliada a fazer a extração do leite, que será oferecido à criança por outro cuidador, através de um copo ou uma colher. Amamentar é proteger.   WHO Infection prevention and control during health care when novel coronavirus (nCoV) infection is suspected. - Pontos 12 e 13, March 13, 2020 UNICEF Coronavirus disease (COVID-19): What parents should know March 1, 2020 ABM STATEMENT ON CORONAVIRUS 2019 (COVID-19) March 10, 2020 CDC. Interim Guidance on Breastfeeding for a Mother Confirmed or Under Investigation For COVID-19. February 25, 2020    Photo: Mel Lawler
Graça Gonçalves  |  12/03/2020
Queridos utentes e amigos da Clínica Amamentos Como é do vosso conhecimento a situação epidemiológica atual ocasionada pelo vírus covid- 19, inédita e imensamente abrangente, é considerada já neste momento uma pandemia e em Portugal está a aumentar. Apesar de este vírus ter um comportamento aparentemente benigno nas crianças, elas não são poupadas à infeção e, como em todas as doenças virais respiratórias, tornam-se as grandes propagadoras, fazendo a doença chegar a toda a família, incluindo pessoas de maior risco, como os avôs. Pela nossa parte, e como modo de evitar a propagação, decidimos encerrar todas as atividades de grupo como cursos, workshops e aulas de yoga. Apenas o que puder ser feito através dos meios audiovisuais, como o workshop de BLW, terá continuidade. Temos colocado em prática todas as medidas possíveis de higienização pessoal e do ambiente, tentando mesmo evitar os nossos habituais aglomerados, sobretudo de final de dia, afastando as pessoas entre si, e observando os doentes em horários separados dos supostamente saudáveis. No entanto, dada a gravidade da situação, parece-nos importante ir mais longe nas medidas de controlo da infeção, pelo que vos lançamos o apelo a que adiem as consultas que não seja imprescindível serem feitas de imediato, como consultas anuais, ou mesmo as mensais, caso não existam motivos de preocupação com a saúde da criança. Colocamos ainda a hipótese de sermos nós a desmarcar as consultas por impossibilidade dos nossos profissionais as executarem. Nesse caso, teremos em atenção as prioridades e urgências e também para isso contamos com a vossa compreensão e auxílio. Disponibilizamo-nos, como sempre, a dar todo o apoio telefónico, por e-mail ou mensagem e se necessário faremos as consultas por WhatsApp ou Skype, caso seja exequível e desejável. Recomendamos o distanciamento social (evitar contacto próximo com outras pessoas) e a adoção de medidas de higiene das mãos, de limpeza de objetos e superfícies e de etiqueta respiratória (não espirrar, tossir ou falar em direção a outros ou para as mãos). Passem aos vossos filhos informação clara sobre como é que eles se podem proteger, incentivem os vossos filhos a fazer perguntas e a expressarem as suas ansiedades. Se tiverem dúvidas contactem o vosso pediatra. Caso existam sintomas respiratórios e possível história de contato não se dirijam à clínica nem a hospitais, liguem para a linha de saúde 24 para poderem ser testados. Desejamos, como todo o mundo, que esta situação acabe rapidamente e com o menor número de danos possível, mas estamos cientes que todos temos que contribuir. Aguardamos a decisão dos responsáveis de saúde sobre o encerramento ou não de todas as escolas, esperamos que sejam sábios na implementação das medidas de saúde pública, e que todos nós em geral saibamos ter o comportamento mais adequado.
Cristina Pincho  |  04/03/2020
Não sou CAM sou Consultora de Lactação IBCLC Tenho orgulho em ter feito das primeiras formações em Aconselhamento em Aleitamento Materno que houve em Portugal, no início de 1997. Dessa forma, sem o saber na altura, estava a abrir um caminho que me trouxe até aqui – hoje sou, também com muito orgulho, Consultora de Lactação Certificada – IBCLC – que em todo o mundo é a única profissão certificada na área do apoio à amamentação e lactação humana. Juntamente com outras pessoas abrimos caminho para que em Portugal houvesse um apoio formal à amamentação. O curso de Aconselhamento em Aleitamento Materno foi desenvolvido pela OMS e UNICEF para apoiar a Iniciativa dos Hospitais Amigos dos Bebés dando formação aos seus profissionais para os capacitar a melhor apoiarem as mães. Nós, que fizemos os primeiros cursos e que fomos abrindo caminho para outros, quando nos referíamos à formação que tínhamos dizíamos que tínhamos formação em Aconselhamento em Aleitamento segundo as orientações da UNICEF e OMS. Tínhamos a plena consciência de que tínhamos apenas feito uma ação de formação de 40 h e nada mais do que isso. Com o decorrer do tempo, não sei como nem porquê, as pessoas que posteriormente fizeram esse mesmo curso começaram a dizer que eram Conselheiras em Aleitamento Materno (CAM), como se de uma profissão distinta se tratasse. De tal maneira a situação se generalizou que levou a UNICEF em Portugal a ter de tomar uma posição e a anunciar no seu site, junto à informação dos cursos que promove, que “A Formação em Aconselhamento em Aleitamento Materno é uma aquisição de competências para as atividades profissionais e não um grau académico ou uma profissão distinta.”  Tenho uma inquietude que vive dentro de mim e que me leva a não ficar conformada, a querer ir mais longe. Depois de ter feito esse primeiro curso, descobri a Liga La Leche,(LLL) uma organização maravilhosa, de mãe para mãe, pioneira mundial no apoio à amamentação. Tornei-me moderadora da LLL através de um processo de acreditação que obrigava a um conhecimento muito profundo nesta área. Se dúvidas tivesse de que para apoiar mães era necessário muito mais do que uma pequena formação em aconselhamento em aleitamento materno, deixaram de existir e continuei sempre no meu caminho para mais conhecimento, mais empatia, mais dedicação, melhores formas de chegar às mães, mais experiência e descobri que havia uma profissão certificada – Os consultores de Lactação IBCLC. Era lá que eu queria chegar. Um consultor de lactação* é um profissional especializado na área da Ciência da Lactação para o apoio à amamentação e lactação humana. A sigla IBCLC significa International Board Certified Lactation Consultant, ou seja, Consultor de lactação certificado internacionalmente. Como a amamentação é uma área tão abrangente os consultores de lactação além de formação na área da amamentação e lactação humana têm de ter formação em diferentes áreas das Ciências da Saúde, em Psicologia, Sociologia e Antropologia. Estamos a falar de um assunto sério que envolve a saúde e bem-estar de bebés, mães e toda a família. Toda a seriedade que a certificação envolve não me deixa dúvidas de que é aqui que quero estar. Por exemplo, a profissão de Consultor de Lactação é regulada internacionalmente por uma entidade que funciona como uma ordem profissional – Se pensarmos que “as ordens profissionais são criadas com vista à defesa e à salvaguarda do interesse público e dos direitos fundamentais dos cidadãos e, por outro lado, a autorregulação de profissões cujo exercício exige independência técnica"**, dá alguma segurança procurar um profissional certificado, não dá? E mais, como o conhecimento não é estanque, para sermos Consultores de lactação, temos de nos manter atualizados. Tenho tantas horas de formação na área da amamentação e lactação humana bem como nas áreas afins que nem tenho conta. Um/a Consultor/a de Lactação IBCLC tem de se recertificar de 5 em 5 anos -  não só é uma forma de a garantir que nos mantemos atualizadas como é também uma forma garantir a excelência da profissão. Podia ter feito atalhos, podia ter-me mantido sossegada, podia ter inventado outros nomes para alguma suposta nova profissão, podia dizer que sei muito de amamentação e que a certificação não é importante em si, mas gosto de pensar que sou uma pessoa coerente e coerente com o meu grau de exigência não podia deixar de ser Consultora de Lactação Certificada IBCLC. * O termo Consultor/a de Lactação é o nome abreviado de International Board Certified Lactation Consultant  (IBCLC) – uma profissão reconhecida e não deverá ser usado por quem não tem a certificação conferida pela a IBLCE® ** https://www.cnop.pt/sobre/funcoes/
Marta Alves  |  03/03/2020
É certo que todos precisamos de ar, água e comida para sobreviver, mas também é verdade que não conseguiríamos fazê-lo sem dormir! O sono (ou a falta dele!) tem um enorme impacto no modo como funcionam muitos dos nossos órgãos e sistemas, nomeadamente o coração e o cérebro, tendo uma função restauradora [re]conhecida e importante. Todos precisamos de dormir, sendo que isso é particularmente importante para os bebés e crianças, pois afeta o seu desenvolvimento físico e mental. Existem já diversos estudos que demonstram a importância do sono para os processos de aprendizagem, de memória e até para a motricidade, portanto, o sono deverá tornar-se numa prioridade, sendo considerada uma questão de saúde e devendo sempre (a meu ver) ser abordado de um ponto de vista holístico! Pessoalmente, acredito que quando falamos sobre o sono das crianças - sobretudo se falarmos sobre os primeiros meses após o nascimento, grande parte das questões que se colocam são enviesadas, por um lado, devido a crenças, expectativas e influências culturais (algumas muito desfasadas da realidade!), e por outro, porque há ainda muito pouco conhecimento sobre o que REALMENTE é o sono infantil, seja em relação às suas características, seja relativamente às necessidades específicas dos mais pequenos.  Parece-me importante começar por propor uma mudança de perspectiva! Não sei exatamente de onde é que terá surgido a idéia de que “dormir como um bebé” era dormir sozinho e durante longos períodos de tempo… mas sei que nos veio tramar à grande! Aos bebés, porque pura e simplesmente não têm como o fazer e aos pais porque acabam por ser colocados sob tanta pressão social, que acabam por sentir que, façam o que fizerem, nunca estarão bem – ora com a sua consciência, ora com a sociedade que insiste sempre em opinar sobre as suas opções (sejam elas quais forem)! Então, talvez devamos começar por clarificar sobre o que realmente estamos a falar quando nos referimos ao sono infantil… Mas, vamos começar esta história ao contrário! Comecemos, pois, pelo sono dos ADULTOS!  Antes de mais, é importante referir que o sono dos adultos é regido por ritmos circadianos, que são mudanças fisiológicas que seguem o ciclo das 24 horas, sendo que muitas dessas mudanças são influenciadas pela exposição à luz e à escuridão. Os ciclos de sono dos adultos duram aproximadamente 90/110 minutos. O primeiro estágio do ciclo do sono é um período de transição durante o qual o corpo e o cérebro passam de um estado de vigília para o sono. Esse período é relativamente curto, durando apenas alguns minutos (o tempo que demoramos a “adormecer”) e o sono é bastante leve, quer isto dizer que tenderemos a acordar com mais facilidade durante este estágio do sono. Aqui, o nosso corpo começa a desacelerar os seus ritmos. Os batimentos cardíacos e respiratórios diminuem e os olhos começam a relaxar. Os músculos também relaxam, mas ocasionalmente podem contrair-se (quem nunca?). Passado esse 1º estágio, nós - os adultos, atingimos o segundo estágio do sono não REM, sendo este também caracterizado por sono leve, mas em que o corpo começa já a fazer a transição para um sono mais profundo. No corpo, os batimentos cardíacos e respiratórios diminuem ainda mais, os músculos relaxam ainda mais, os movimentos dos olhos param e a temperatura do corpo diminui. O sono profundo, sono por ondas lentas – as ondas delta, é o terceiro estágio do sono não REM. Embora naturalmente o corpo complete alguns ciclos durante a noite, é sabido que o terceiro estágio ocorre em períodos mais longos durante a primeira parte da noite. No corpo, os batimentos cardíacos e respiratórios são mais baixos durante essa fase do ciclo do sono. Os músculos e os olhos também estão muito relaxados e as ondas cerebrais tornam-se ainda mais lentas, fazendo com que possa ser muito difícil acordar alguém. É normalmente durante este estágio que ocorrem distúrbios do sono, como por exemplo o sonambulismo. Cerca de 70-90 minutos após adormecer, os adultos atingem a fase de sono REM (Rapid Eye Movement ou sono paradoxal). Durante esta fase do sono, os olhos movimentam-se (às vezes freneticamente!) por detrás das pálpebras fechadas. No sono REM, as ondas cerebrais começam a assemelhar-se às ondas cerebrais do estado de vigília e os batimentos cardíacos e a respiração aceleram novamente. É durante o sono REM que ocorrem a maioria dos sonhos. O cérebro dá ordem para “paralisar” temporariamente os braços e as pernas para impedir que o corpo atue nesses sonhos e, assim, ficamos em atonia muscular. No final deste ciclo do sono e, se não houver nenhum desconforto ou inquietação, voltamos a entrar no estágio 1 novamente e por aí a fora... Os despertares parciais (despertares breves) são comuns aquando da transição entre os ciclos do sono, mas podem ocorrer despertares mais significativos a cada 2/3 ciclos. Com alguma sorte, voltaremos novamente a adormecer sem que disso tenhamos sequer registo ou, na pior das hipóteses, afofamos a almofada e viramo-nos para o outro lado. Se estivermos desconfortáveis, com frio, fome, sede ou… nos sentirmos inseguros, é muito provável que despertemos MESMO e acabemos até por ter que nos levantar e ir resolver aquilo que nos está a molestar. Será isto assim tão estranho para um adulto? E para um bebé?!? Reconheceram-se? O.K. Então agora, façamos como os Monty Phyton… “and now for something completely different!” esqueçam tudo o que vos disse porque vamos falar do sono dos mais pequenos! Importa saber que os bebés começam a ter ciclos do sono cerca das 28/30 semanas de gestação e por volta das 36/38 semanas os bebés até já têm ciclos de sono bastante regulares.  Quando os bebés nascem, os ritmos circadianos ainda se estão a desenvolver e a “confusão” entre sono diurno e noturno é absolutamente normal, sendo que os nossos avós até diziam que “os bebés são da noite!”. Isto acontece, não só porque a mãe natureza é sábia e era quando nós, mães, parávamos (normalmente à noite) que os nossos bebés ficavam mais activos, mas também porque os seus pequenos estômagos precisam de ser alimentados com frequência! Diz-se que são necessários cerca de 3 a 4 meses para que os bebés desenvolvam ritmos circadianos maduros. Porém, pesquisas já confirmaram que o tempo necessário pode variar e que até há bebés que conseguem “sincronizar-se” mais cedo, se lhes formos fornecendo as dicas ambientais adequadas. Sabemos agora o enorme impacto que a luz tem no "relógio biológico" dos nossos pequeninos e que a sua exposição a ela pode e deve ser usada de forma sensível e consciente. É também de referir que os ciclos de sono dos recém-nascidos são mais curtos - cerca de 40/45 a 55/60 minutos (em média) e os bebés geralmente começam logo os seus períodos de sono no equivalente recém-nascido ao REM - aqui chamado de "sono ativo". Alguns estudos mostram que não é incomum que os recém-nascidos gastem mais da metade do seu tempo total de sono em sono ativo (Grigg-Damberger 2016) chegando mesmo aos 75% (Poblano et al 2007; Sadeh et al 1996). Ora, não sobra muito tempo para o sono profundo, pois não?!? E querem saber porquê? Porque a mãe natureza é sábia! Ah, espera, eu já disse isto… O sono activo, (o tal equiparado ao sono REM) parece ser mais importante do que se pensava para o desenvolvimento do cérebro dos bebés (Siegel 2005), sendo nesta fase que se "organizam" as suas vivências e em que o cérebro aproveita para testar as suas ligações, nomeadamente aos nervos com ligações músculo-esqueléticas. Durante o sono ativo, ao contrário dos adultos durante o REM, os bebés pequenos geralmente não apresentam atonia muscular. Como eles se mexem, contraindo e esticando braços e pernas, vocalizando, rindo e, é claro, também… chorando, é frequente os pais serem “enganados” ou seja, levados a crer que os seus bebés estão a acordar, quando na verdade estão “apenas” a SONHAR! Isso pode fazer com que os pais interajam para acalmar o seu bebé no momento… ops!... errado  E, aqui sim, existe uma semelhança pois, os bebés pequenos também têm maior probabilidade de acordar durante o sono REM ou imediatamente a seguir, tal como nós adultos fazemos (Akerstedt et al 2002) e também durante as transições entre os ciclos do sono! Ou seja, qual é a probabilidade do nosso bebé acordar? Pois, é alta, é… Ah, mas os bebés pequeninos também experimentam algo mais ou menos análogo ao nosso sono profundo, o chamado "sono tranquilo". O sono tranquilo é caracterizado por uma respiração mais lenta e rítmica (Grigg-Damberger 2016). Nesta fase torna-se mais difícil para o bebé despertar, o que nos faria dar pulinhos (silenciosos!) de contentamento! Mas a verdade é que também pode ser problemático se, por exemplo, o bebé tiver uma flutuação nos seus níveis de oxigénio. Pensa-se, então, que isto faz parte de um mecanismo de proteção contra a Síndrome de Morte Súbita do Lactente (SMSL ou SIDS) e, portanto, nos primeiros meses, o ciclo típico de sono de 45 a 60 minutos inclui apenas cerca de 20 minutos de sono dito "profundo". O resto do tempo, os bebés estão em "sono activo" ou em "sono de transição". Já vos disse que a mãe natur… sim? isso! Resta dizer que a duração total de sono diário varia bastante, é claro, no entanto sabe-se que cerca de metade dos bebés entre os 0 e os 3 meses dormem entre 13 e 16 horas em cada 24 horas, em sonos (mais ou menos) curtinhos e espalhados ao longo do dia. Gradualmente, à medida que os meses vão passando, o sono vai-se tornando mais “organizado” e mais nocturno, o que não significa que os bebés durmam a noite toda, que é como quem diz dormir 5 horas seguidas! Foi feito um estudo com crianças americanas, em que mais de 15% dos pais relataram que seus bebés de 12 meses ainda não haviam atingido esse marco (Henderson et al 2010). É, pois, normal que bebés desta idade ainda acordem 3-4 vezes a cada noite. Ou até mais! Porque cada bebé é um bebé. Mas, por agora, voltemos atrás, aos primeiros meses após o nascimento! Para referir quão desafiadores e exigentes podem ser para os novos pais, especialmente para as novas mães, porque, como já foi referido, a MÃE NATUREZA faz com que os nossos bebés acordem frequentemente, não apenas para se alimentarem, mas também por causa de seus ciclos mais curtos e características de sono mais leves. Então, é um fato: os bebés acordam com frequência. Mas tudo ao redor destes novos pais parece "gritar" que os bebés devem dormir no berço por longas horas sem acordar, sem ser para serem alimentados ou para trocar a fralda. O que mais eles poderiam precisar??? Hoje sabemos que as necessidades dos bebés vão muito além de uma barriguinha cheia e um rabo limpo... que às vezes eles acordam "apenas" porque precisam de contato físico, para saberem que estão seguros! E que quanto mais seguros se sentirem, mais facilmente voltarão a adormecer. E que, muitas vezes, os bebés não acordam para mamar… mamam é para adormecer! Sabiam que entre os vários componentes maravilhosos e surpreendentes do leite materno, está o triptofano, um aminoácido usado pelo organismo para ajudar a fabricar melatonina? Os níveis de triptofano no leite materno aumentam e diminuem de acordo com os ritmos circadianos da mãe, e quando os bebés consomem triptofano antes de dormir, adormecem mais rapidamente (Steinberg et al 1992). Não é lindo? Melhor é impossível! Mas, e porque é que o meu bebé acorda sempre que o pouso no berço? Ah, essa é fácil! Toda a gente sabe que os berços têm picos!  Vá, picos, picos, não têm… mas é como se tivessem. Os bebés precisam de se sentir seguros para poderem relaxar e enfim, dormir e, muitos deles, para se sentirem seguros, precisam do nosso toque, do nosso cheiro, de sentirem a nossa respiração e o nosso coração a bater pertinho do deles... Tal como tinham durante as cerca de 40 semanas que estiveram no forninho. E, já do lado de fora, tal como o temos feito ao longo de uns bons milhões de anos! Na verdade, esta necessidade de contacto físico é mais intensa nuns bebés do que noutros. E eu sei-o bem, porque tenho 2 crias com 2 registos tão distintos cá por casa! Aos bebés que dormem descansados no seu bercinho não os vamos obrigar a dormir ao colo, pois não? Então e aos que não estão [ainda!] preparados para dormir sozinhos e querem é o nosso colo? Vamos obriga-los a ficar no berço??? Bom, claro que cada progenitor será soberano sobre as suas decisões parentais e não sou eu que vou obrigar ninguém a fazer ou deixar de fazer o que quer que seja… Cabe-me apenas informar e desmistificar.  Na verdade, o sono só será um problema se fizermos dele um problema… Lembro-me de há tempos, enquanto estudava, ler uma frase que me pareceu bastante interessante. Fica um bocadinho "lost in translation" 😅, mas aqui vai: Sabias que quase toda a pesquisa que existe sobre o sono vem de países Ocidentais (Western), Educados (Educated), industrializados (Industrialised), Ricos (Rich) e Democráticos (Democratic) (ou seja W.E.I.R.D. que significa estranho ou esquisito)? A verdade é que a pesquisa do sono é fortemente centrada no Ocidente e também na população caucasiana, como se apenas "nós" estivéssemos a fazer o que é certo e todo o resto do mundo andasse a disparatar, fazendo o errado. Pensando nisso, não vos parece um bocadinho estranho? Estamos actualmente a braços com questões (crenças!) muitas delas fruto da forma como nós próprios fomos educados. Por um lado, endeusou-se o “bebé independente”, quando já sabemos tão bem que (ainda!) não o conseguem ser e, por outro lado, diabolizou-se a cama compartilhada, quando na verdade foi esta a norma biológica desde tempo imemoriais e ainda o é, em muitas partes do mundo!  Somos sempre livres de escolher a opção que mais nos convém, é claro! Mas, se por acaso até nos calhou um bebé que precisa - como é normal e fisiológico - de mais contacto físico, é bem provável que não cheguemos a dormir grande coisa, se insistirmos em que durma no seu berço…  E, dependendo do bebé que tenhamos, podem até criar-se associações menos positivas relativamente ao sono. É que o chip que vem instalado de série no nosso bebé e que fez com que tivéssemos sobrevivido até hoje enquanto espécie, faz com que ele procure a segurança dos [a]braços de um cuidador de referência, pois só assim (a tal da boa e velha mãe natureza!) garante que terá os cuidados necessários. E não adianta explicar-lhe que está no séc. XXI numa caminha fofinha e segura em Portugal, país à beira mar plantado. O chip de série é tramado e não vai nisso! Então, o que fazer? Para mim a resposta em bastante simples: Dormir! Como funcionar melhor para cada família, desde que em segurança. Dormir! Porque é coisa boa e tão necessária para miúdos e graúdos! Se insistirmos em “lutar” com um bebé, haverá a forte probabilidade de ele ganhar. Chama-se vencer pelo cansaço e, em muitos casos, foi o que os nossos pais fizeram connosco, deixando-nos a chorar “para abrir os pulmões” e para que fossemos mais…“independentes” (olha que bem que isso funcionou - #SóQueNão!). Quando um bebé não se sente seguro, há maior probabilidade de lhe custar a adormecer ou de vir a acordar mais frequentemente. Adivinhem lá: tal como acontece connosco – os adultos, certo? Esses despertares vão criando as tais associações menos boas ao sono (do tipo “mas porque é que a minha mãe desaparece sempre que eu fecho os olhos?”) e essas disrupções que se criam, vão fazendo com que os bebés estejam cada vez mais exaustos. E os seus pais também! Quanto mais cansado fica o bebé, mais difícil é adormecê-lo e mais difícil é mantê-lo a dormir. Ah! Aí vamos nós, em modo "pescadinha de rabo na boca"! Sei que parece um contra-senso, mas a grande maioria dos bebés que me chegam à consulta estão em total deficit de sono e já lhes é muito difícil conseguirem “desligar” e muito menos sem ajuda. O que o mito da auto-regulação nos veio trazer… Pobres bebés, que (ainda!) não têm como o fazê-lo!  Quanto menos dormem e mais frequentemente acordam os nossos bebés, mais cansadas ficamos nós, as suas mães! O cansaço extremo faz com que estejamos cada vez menos disponíveis, o que é absolutamente natural. Mas também é natural que, ao sentir uma mãe mais cansada e emocionalmente mais frágil, o bebé fique mais alerta e reactivo ou não estivéssemos nós em “fusão emocional” (Laura Gutman in “A Maternidade e o encontro com a própria sombra”). Tem vindo a ser estudado o impacto do bem-estar emocional das mães e, enfim, das famílias, no que toca ao sono dos nossos pequeninos… Oh, Marta, então estás a dizer que não se pode fazer nada??? Claro que não! Estou só a dizer que para agir sobre, é necessário entender o sono dos bebés e, como tal, precisamos de o abordar de forma holística e integrada, entendendo-o sob os diferentes pontos de vista: o neurológico (a maneira como o sono se organiza), o biológico (como o sono funciona) e o comportamental (os “rituais” e aquilo que os pais podem dizer e fazer). Se não o fizermos desta forma, bem podemos usar mézinhas, óleos e rezas, que provavelmente não irão funcionar... Quando os bebés atingem um estado de desenvolvimento neurológico que já lhes permite dormir por períodos mais longos, quando estamos em sintonia com os ritmos circadianos, quando existe entendimento sobre a produção hormonal, tirando partido dos momentos de aumento de melatonina no organismo, quando criamos associações positivas (comportamentais) e removemos as associações negativas (se as houver)... Respeitando os sinais de cansaço e tirando partido também das “janelas”, tentando que o bebé não fique demasiado cansado e trabalhando com as “fundações” (do sono), é quando teremos tudo em sintonia para que o sono ideal aconteça!  É neste processo que vos posso ajudar! Com o entendimento de que pode não acontecer com a rapidez de um “treino de sono”, que poderá levar algum tempo – o necessário, mas que é certo que chegaremos lá! Com respeito, gentileza e empatia. E sem choros desnecessários…  Tendo tudo isto em conta, acredito que se torna mais fácil agir (ao contrário de reagir!), abraçando a situação que estamos a viver, em vez de combatê-la. Assim, podendo passar por isto de maneira mais fluída e suave para nós, pais e para os nossos bebés. Construindo uma boa relação com o sono que, espera-se, possa durar uma vida, para que todos possam descansar mais e melhor!  Agora, talvez a expressão “dormir como um bebé”, já vá ser encarada com outros olhos…