AS NOVAS HEROÍNAS
Graça Gonçalves

É bem verdade que qualquer mãe é uma heroína. Viver numa sociedade sem modelos, ou com modelos que não se coadunam com os nossos sentimentos, fazerem-nos sentir culpadas quando os nossos filhos não encaixam nos padrões, seja porque não dormem 18 horas em cada dia, ou porque mamam a toda a hora ou porque querem andar sempre ao colo, acarreta uma carga de insegurança e infelicidade difíceis de aguentar.


Por isso eu venho falar um pouco da história de algumas, das muitas heroínas com que me tenho cruzado ao longo dos últimos anos.


S. mãe pela primeira vez, mal “aconselhada” na maternidade onde lhe introduziram mamilos de silicone e leite artificial (o clássico!) e que tendo uma profissão liberal começou a trabalhar quando o bebé tinha menos de 1 mês. A agravar a situação o apoio em casa fazia-se com sugestões de oferta de biberões de leite artificial “porque ia ser mais fácil para todos”. Mas a S. não desistiu e procurou auxílio. Após correção do problema de base na amamentação decidiu que para conseguir ir em frente precisava de tirar algum tempo só para o filho e suspender o trabalho, e inteligentemente “obriga” o marido a andar com ela em todas as atividades que faz com o bebé. Parece já o ter convertido ao leite materno!


P. mãe de gémeas nascidas há pouco mais de 1 mês, já era heroína antes deste nascimento. Enfrentou tantas dificuldades com o filho mais velho, tanto a nível de amamentação, como de noites mal dormidas, que só isso já a fazia uma Mulher de exceção. Mas agora, com mais duas belezas em horários desencontrados, a querer a mama a toda a hora, a não sossegar se não estiverem ao colo dela, com os enormes sentimentos de culpa porque não consegue dar a mesma atenção ao primeiro filho, com milhentos problemas caseiros daqueles que não são graves, mas que desmoralizam qualquer um, aqui continua ela, linda e com um sorriso permanente nos lábios. Ela tem o apoio do marido e da família, mas a opinião dos colegas (pediatras de profissão) é que é impossível amamentar gémeos! E no entanto elas crescem… 


A mãe T. marcou-me profundamente. Pediatra também, apercebeu-se que com um mês o filho não estava a ganhar peso e que a quantidade de leite que estava a produzir já era pequena por falta de estimulação do bebé. Penso que foi o pânico, a frustração e até a culpa, em que nós mulheres somos exímias. Durante a consulta teremos falado que nem sempre a reversão da situação de ter pouco leite é possível, porque alguns ácinos ficam perdidos para sempre. Ainda agora lamento estas palavras. São reais, mas nunca as devia ter dito a uma mãe que ia lutar para aumentar a produção. E ela lutou! As últimas palavras que me disse na consulta foram: “Ainda lhe hei-de dizer que estou a amamentar em exclusivo!” Cerca de 4 meses volvidos recebi uma mensagem da T.: “Primeiro dia de aleitamento materno exclusivo”. Confesso que chorei de emoção e de felicidade por ela e pelo filho que tem a ventura de contar com uma mãe assim.


A M. já tem 10 meses de amamentação e diz na brincadeira que vai amamentar a menina até ela ter 18 anos. Conhecemo-nos através do email da amamentos, por um pedido de ajuda que ela nos fez. Estava com um abcesso, queriam “secar-lhe” o leite e ela estava desesperada achando que devia haver outra solução. E tinha razão. Essa situação foi ultrapassada. Mas outas mastites se seguiram, com as dores que todas sabemos causarem. Nunca a M. colocou a amamentação em questão, submetendo-se a todos os tratamentos e aceitando as nossas sugestões. 


Quem sugere a colocação de mamilos de silicone na maternidade, quantas vezes ainda na sala de partos ou recobro, devia ouvir os gritos e o choro de frustração dos bebés quando se tenta voltar a coloca-los na mama nua. E devia também conhecer todo o sofrimento que estas mães têm aos sentirem-se rejeitadas pelo bebé. Oferecer mamilo de silicone para que um bebé extraia colostro é não ter noção de que está a criar um novo problema, resolvendo falsamente a ausência de pega do bebé à mama. Porque o bebé aceita o estímulo que lhe entra na boca e “finge” mamar, mas é impossível extrair um líquido que além de ser em pequena quantidade é naturalmente viscoso. Foi o que fizeram à A. e ao seu bebé. E ela veio até nós determinada a acabar com o uso do silicone. Diferentes tentativas, diferentes posições, acalmar o bebé frustrado, tudo ela suportou estoicamente, perguntando após cada falhanço: “E agora como fazemos?”. Acho que foi a fé dela em que tudo se havia de resolver, de que alguma solução teríamos para ela, que nos deu persistência e incentivo. E realmente o “milagre” deu-se: o bebé pegou na mama e mamou como se nunca tivesse feito de outra maneira. Ouvir aqueles goles enormes e ver o semblante da A., que não ousava mexer-se, para não estragar nada, foram compensação e alento para vários dias menos bons.


E a C.F., mulher admirável, que vive há mais de 2 meses com dor nos mamilos, apesar de já termos feito todas as tentativas para melhorar a situação. 


A A. L. cheia de inseguranças, mas com a teimosia de quem sabe o que quer, aprendeu a fazer a pega mais correta, extraiu fora das mamadas e ofereceu com sonda, alegrou-se com os aumentos de peso, afligiu-se quando o número de horas que o bebé resolveu dormir foi maior, mas sempre persistiu e tem conseguido amamentar em exclusivo.


Mas nem sempre a amamentação em exclusivo é possível. No entanto, não tem que ser o tudo ou nada. Toda a quantidade de leite da mãe que o bebé ingere contém substâncias impossíveis de colocar numa lata. A J. é mais uma heroína. Amamentar e ter que dar outro leite, procurar o ponto de equilíbrio em que “não lhe vou dar tanto para que ele possa mamar o mais possível do meu”, mas ao mesmo tempo ter a garantia de que o bebé tem o aporte suficiente é extremamente difícil. E a maldita balança! Diz ela: “quando o peso, é como se estivesse a ser julgada por ser boa ou má mãe”. Quanta angústia estas palavras traduzem. Claro que ela é uma mãe maravilhosa, a Maior e a Melhor Mãe que o filho dela alguma vez sonhou ter, até porque o ama como nenhuma outra e cuida dele de forma exemplar.


Estas são algumas das muitas heroínas com quem diariamente nos cruzamos, mulheres corajosas que lutam em cada dia pelos seus filhos, aplicando os seus super poderes – abnegação, capacidade de sofrimento, teimosia, e sobretudo amor. 

Graça Gonçalves

São mais de 36 anos de carreira médica.

Como tem sido? Penso que como todas as profissões com momentos bons (a maior parte) e momentos menos bons (poucos felizmente). Mas sempre vivida apaixonadamente.

O que me deslumbra na medicina? O desafio de cada dia: o novo conhecimento sempre a surgir, os novos conceitos que nos obrigam a entender que nunca sabemos tudo, que não existem verdades absolutas e imutáveis e a necessidade de estudar e saber mais e melhor.

O que mais me agrada na pediatria? O contato com as pessoas, os pais e as crianças. A confiança que em mim depositam, e que eu me esforço por não defraudar, faz que apesar do cansaço de cada dia, desfrute dos nossos encontros e continue a rir-me com os pais das peripécias e desafios da parentalidade, tentando “descomplicar a vida” que a sociedade nos impõe.

Porquê a diferenciação em neonatologia? Porque o contato com o início da vida é fascinante e um pequeno milagre a renovar-se com cada criança que nasce.

Porquê a diferenciação na área da amamentação? Porque amamentar é a forma natural de alimentar as crianças, e poder ajudar as mães a conseguir ultrapassar as dificuldades iniciais é egoística e comoventemente gratificante.