O aleitamento materno é promovido pela OMS/UNICEF em exclusivo até aos 6 meses de idade e complementado com outros alimentos até, pelo menos, aos 2 anos. Assim, é possível que surja uma gravidez enquanto outra criança é amamentada. Contudo, na generalidade dos países ocidentais, esta é uma realidade invisível para a população geral.
Muitas mulheres desmamam os seus filhos quando descobrem que estão grávidas devido a crenças pessoais, pressão social ou recomendações de profissionais de saúde. Relativamente às que mantêm a amamentação durante a gravidez, muitas mantêm essa prática para si mesmas ou revelem apenas a pessoas cuidadosamente seleccionadas, devido ao estigma social. Algumas chegam mesmo a omitir dos profissionais de saúde que as acompanham por sentirem que não vão ter apoio nesta sua escolha, o que mostra o papel importante que os médicos ginecologistas/obstetras têm no sucesso do aleitamento materno.
Mas será que existe evidência científica de boa qualidade para recomendar o desmame de mulheres que engravidam enquanto amamentam?
Quais os receios?
A amamentação durante a gravidez pode ser vista como um desafio por serem dois processos fisiológicos que requerem uma elevada quantidade de energia e pelo receio da estimulação mamária levar a contrações uterinas que prejudiquem a evolução da gravidez.
Algumas das preocupações mais frequentes quando a amamentação é simultânea a uma gravidez é o medo do parto prematuro, aborto espontâneo ou depleção rápida de nutrientes maternos, que poderia aumentar o risco nutricional para mães, criança amamentada e feto/recém-nascido.
Não existem muitos estudos de qualidade sobre o tema e existem alguns resultados contraditórios. Mas a evidência científica aponta no sentido da gravidez não ser uma contraindicação para o aleitamento materno.
Por exemplo, relativamente ao risco de aborto espontâneo, apenas 2 estudos referem diferenças significativas. Um associa a amamentação exclusiva a um maior risco de perda gestacional e no outro, surpreendentemente, houve uma maior frequência de aborto espontâneo no grupo cujas mães não estavam a amamentar. A probabilidade de parto prematuro também parece ser equivalente nas mulheres que amamentam durante a gravidez e nas que não amamentam.
A amamentação durante a gravidez sem dúvida que acelera o gasto de nutrientes pela mulher. Contudo, com um aumento da ingestão calórica e suplementação adequados, estes défices podem ser corrigidos permitindo quer um ganho ponderal adequado à grávida e feto, quer nutrientes suficientes no leite para a criança amamentada.
Sobre a preocupação com as características do leite quando o bebé nascer, sabemos que o leite maduro tem tendência a passar a colostro no final da gravidez e que se adapta quer ao recém-nascido quer à criança mais velha.
Quais os desafios?
O desmame guiado pela mãe acontece principalmente nos primeiros dois trimestres de gravidez e os motivos mais frequentemente referidos são o diagnóstico de gravidez e medo de aborto espontâneo, dor no mamilo e recomendação médica para desmamar.
Durante a gravidez, a quantidade de leite diminui (ou pode até cessar) e a composição/sabor do leite altera-se. Ocasionalmente acontece um desmame guiado pelo bebé, por surgir desinteresse na amamentação nestas novas condições.
Preocupa-nos o desmame abrupto durante a gravidez. Além da ansiedade que pode provocar na mãe e criança e poder prejudicar o crescimento da criança que está a ser amamentada, existe um risco significativo de mastite e abcesso mamário.
Não existindo evidência que a amamentação seja prejudicial à gravidez, as grávidas devem ser apoiadas qualquer que seja a sua escolha. Deixem as mamas em paz.
Foto: casadefallon.com e Kim Max Photo