Eu não tenho filhos, por isso, não vou partilhar convosco uma experiência pessoal de maternidade. Vou falar-vos da experiência da minha avó.
A minha avó nasceu no dia 31 de Agosto de 1939 - no dia seguinte deu-se o início oficial da segunda grande guerra mundial, factos que ela gosta de realçar como se um tivesse sido consequência do outro.
Infelizmente, a minha avó tem diabetes tipo II, o mais provável foi também ter tido diabetes gestacional, e isto acarreta consequências. Hoje em dia a minha avó sofre de demência. Uns dias está cá e outros nem por isso. Do que ela se lembra mais vivamente é do passado, tendo uma grande incapacidade para formar novas memórias.
Todos os dias, ao fim da tarde, a minha avó vem ter connosco à Clínica, e fica encarregue do turno da noite, como nós gostamos de brincar com ela. Ela sobretudo faz a sua soneca e depois ajuda-nos a fechar a clínica, empilha as cadeiras e arruma os brinquedos Eu acho que ela gosta de cá estar por estar connosco, e em especial também porque, ao ajudar-nos, até se esquece das maleitas que tem.
Hoje, antes de começar a sua sesta, estive um bocadinho com ela. Queixou-se de lhe doerem os pés – tem uns sapatos novos e insiste em usá-los porque são fresquinhos e, diz ela, muito confortáveis... Não podemos contradizer uma senhora, não é verdade?!...
Contou-me hoje a sua experiência de amamentação, história que eu nunca lhe tinha ouvido. A minha avó teve dois filhos, uma menina primeiro, aos 18 anos (a minha mãe), e depois um rapaz aos 23. Disse-me então que, quando a minha mãe nasceu, o leite não apareceu logo e que o meu avô (jovem farmacêutico de 19 anos) tinha dito que ”ia já buscar o pó”, ao que ela perentoriamente contrapôs: “Não! A força do leite só vem umas horas depois da criança nascer”.
Quando o leite apareceu, ficou com as mamas tão grandes que quase não lhes via os bicos. E depois, durante o período em que amamentou a minha mãe, quando sentia que as mamas começavam a encher e a minha mãe ainda continuava placidamente a dormir, ela sentia o leite a sair e a escorrer por ela abaixo e pela cadeira, acabando no chão.
A minha avó contou-me isto com grande orgulho e muitas gargalhadas. Orgulho de ter dado leite à filha, orgulho de ter dito que não ao marido (e ele lhe ter eventualmente dado razão) e orgulho no leite tão abundante que jorrava para o chão.
Disse-me ela enquando ria: “Eu era uma vaca leiteira!”; e depois a conversa virou para as vacas nos Açores e os imensos prados de que dispõem para pastar. É uma coisa que acontece com frequência nestas nossas conversas: perde o fio à meada e começa noutro tópico.
Mas, nesta conversa com a minha avó, aprendi duas coisas:
- “A Força do Leite” – neste tempo todo na clínica nunca tinha ouvido esta expressão. O nosso típico “subida ou descida” do leite era, na altura da minha avó, a força do leite. Achei o termo delicioso, e muito mais adequado. A força! (A geek de Starwars em mim fez redobrar o meu sentimento de respeito pela minha avó);
- É espantoso como estas experiências de maternidade lhe permanecem na memória mesmo apesar da idade, apesar das hipoglicémias e da demência.
Espero que ela nunca se esqueça destas experiências que a deixaram tão feliz..